quinta-feira, 11 de julho de 2019

Onde o Vento Faz a Curva - Pedra Riscada

Um dia de descanso após a escalada da Place of Happiness (relato aqui) não era o ideal, mas era o que tínhamos disponível. Usamos esse dia pra beber muita água, comer bem e reorganizar a mochila, porque teríamos apenas mais um dia livre na Pedra Riscada.

Otto e Júlio já tinham feito a Moonwalker, eu e Otto já havíamos feito a Divina Liberdade, que seriam as duas opções mais óbvias pra fazer em um dia. Pra ninguém repetir nada, de comum acordo, optamos pela tentativa na via "Aonde o Vento Faz a Curva", "Aonde" mesmo, no mineirês.

Não encontramos muitos relatos sobre esta via na internet, mas deu pra reunir informações suficientes pra uma tentativa de escalá-la em um único dia e lá fomos nós!

O despertador tocou mais cedo, às 4h em ponto, pra sairmos às 4h40 da cidade e chegar na base da via às 6h. Júlio tinha a referência de uma corda laçando uma árvore na base. Achamos a corda mas não vimos o grampo, procuramos por alguns minutos e resolvi subir escalando e ver se achava algo mais em cima. Acabei subindo demais e só depois a galera identificou os grampos mais à esquerda. Continuei até voltar pra linha certa, já depois de esticar a corda toda.

Primeira Enfiada

P2
Levamos 20 costuras, duas cordas e 3 litros d'água por pessoa, material que dividimos em 3 mochilas pra primeira parte da via, a qual escalamos em simultâneo. As três primeiras enfiadas são fáceis, a quarta é um VI mais esticado, e depois  facilita novamente começando a diagonal pra direita que cruza a Place e vai até o platô usado pra bivaque.

Quarta enfiada
Chegamos às 7h40 nesse platô, quando constatamos que o rato furou nossa água extra (2l que deixamos na descida da Place 2 dias antes), ficamos tão distraídos que esquecemos de pegar os banquinhos que usaríamos mais pra cima. Vimos a chuva chegando no horizonte e aceleramos. Passei a ponta da corda pro Júlio, que guiou a diagonal pra direita, onde caberiam algumas peças que não levamos, passou pela P8 e seguiu pelo trepa-mato pra esquerda até o colo.

Chegamos ao colo pouco depois das 8h, junto com a chuva!! Este colo é acessado também por uma trilha pelo outro lado da montanha, cujos relatos estimam três horas de caminhada. Nos abrigamos do vento e trabalhamos o psicológico pra esperar o máximo possível, mesmo que não desse mais tempo de concluir a via, escalaríamos mais algumas enfiadas pra conhecer. Felizmente estávamos com sorte e a chuva parou, nos permitindo começar a segunda parte da via antes das 10h da manhã!

Esperando a chuva passar
Esta segunda parte é vertical, com grampeação relativamente mais próxima, enfiadas longas e de resistência, paradas aéreas, e um final com bastante macambira pra dar mais uma apimentada na escalada...

Comecei guiando o VIIa, muito bonito por sinal, começa com boas agarras que vão diminuindo no final. Depois guiei também o VIIc, que também começa fácil, depois passa por um diedro sem fenda, até que fica negativo com pequenos cristais e, ufa, parada! Esse saiu na cadena, com emoção! As proteções são mais distantes, mas as quedas são limpas.

Eu na décima enfiada

Eu na décima primeira
Otto tocou o VIIIa, que também pareceu bem bonito, uma linha super reta também. Júlio ficou com o 7c, já mais técnico e com agarras um pouco quebradiças, e com o VIsup no mesmo estilo, mas já temperado de macambiras (não sei com se chamam por lá, mas são aquelas bromélias cheias de espinho, quem já escalou no nordeste conhece). Na sequência uma enfiada de VIsup misto (de agarras e macambiras) ficou com o Otto, e pra finalizar, um V grau no mesmo estilo, vale levar luvas de jardineiro pra escalar essa enfiada! kkkkkk

Jumareada

Otto na décima segunda

Júlio na décima terceira


Júlio na décima quarta enfiada
Depois a enfiada final já é praticamente em comum com a Place, um quarto grau de 40m sem chapas, mas com cuidado vai bem. Chegamos ao cume às 16h30 do dia 29/06/2019, comemoramos muito pq esperávamos ter que escalar duas enfiadas a mais, que só depois percebems que eram as duas enfiadas finais da Bodífera Ilha, pra chegar no cume principal. Mas essas deixamos pro futuro, quando resolvermos repetir a Bodífera inteira. =P

cumeee
Passamos 20min no cume e começamos os rapéis. A primeira parte simples, em linha reta até o colo, fizemos rápido, em 1h. No colo não tem (ou não encontramos) parada fixa, apenas os grampos iniciais da primeira enfiada do vertical e a P8 é bem diagonal pra direita. Do colo descemos andando margeando a pedra até a última árvore e dela fizemos um rapel curto já pra P7, no platô abaixo, evitando assim dois rapéis de corda dupla em diagonal. Deixamos um cordelete com mosquetão nessa árvore.

Descemos a diagonal tranquilamente e começou o show de corda presa! Muitos cristais e lacas nessa parte positiva. Prendeu no VIIa da Place (Júlio teve que escalar pra desprender, pior que ele ficou feliz com isso), depois prendeu na penúltima enfiada antes do chão. Chegamos em terra firme às 20h.




Betas:
-Nossos banquinhos de madeira estão no platô da P6, atrás da laca, podem ser usados por quem for fazer a Place ou a Vento.
-Não levamos, mas algumas peças podem ajudar na proteção da oitava enfiada: Camalots #.4 ao 2.
-A segunda parte da via, no vertical, começa no ponto mais alto do colo, em cima de uns bloquinhos de pedra, não é difícil visualizar os primeiros grampos, que começam em leve diagonal pra direita e depois sobe reto até o cume.
-A grampeação na parte final, onde tem as macambiras, permanece reta, mesmo que dê a volta na vegetação, a chapa vai estar na reta.
-As paradas são todas em grampos P, exceto a parada do 7c, que é de chapas como mosquetões. 

terça-feira, 9 de julho de 2019

Place Of Happiness - Pedra Riscada

Após o Encontro de Escaladores do Nordeste, em São Desidério/BA, voltei pra casa, a 800km de distância, troquei de roupa, re-arrumei a mochila e segui pra rodoviária, onde peguei um ônibus e rodei mais umas 17h até o trevo da entrada de São José do Divino/MG, onde Júlio "Francês" e Otto me encontraram pra seguirmos pra SJD.
Dormimos na cidade e no dia seguinte acordamos às 4h30 pra começar a empreitada da trip: escalar a Place Of Happiness!!! São 850m de via, divididos em 18 enfiadas de até IXa! 


Pedra Riscada - São José do Divino/MG

Estratégia

-Estávamos em 3 escaladores, planejamos dividir as guiadas, assim cada um pegaria 1 enfiada difícil, 1 média e mais umas 4 mais tranquilas.
-Um guiava com uma corda simples e uma retinida, fixava as duas e os outros subiam jumareando.
-Subimos com 4 litros de água por pessoa/dia, totalizando 24 Kg só de água, fora comida pra 2 dias, 2 isolantes, 3 sacos de dormir, uma rede, fogareiro, gás, anoraks, etc. Como a carga ia só até o platô depois da P6, e as enfiadas até lá são positivas, optamos por levar tudo alojado nas mochila dos participantes (uma de 50l e outra de 45l) que iam jumareando, em vez de içar. O guia subia sempre leve.
-Dormimos no platô da via "Onde o Vento faz a Curva" próximo à P6, ter encordado as enfiadas do diedro no primeiro dia era o objetivo mínimo, conseguimos fixar até a P10, uma a mais.
-Subimos com um terceira corda pois não sabíamos que da P9 a corda chegaria o platô, essa corda acabou sendo um peso morto que carregamos no primeiro dia.

Júlio fazendo o lanche

Primeiro Dia

Depois de tomar café, rodar 1h na estrada, e mais 30 min na trilha, chegamos na base às 7h da manhã. Reforçamos o café e começamos a escalada 7h35. Otto guiou as duas primeiras da rampa, sem maiores problemas, Júlio guiou as duas seguintes, parando na P4, e eu guiei a quinta, que começa no vertical bem protegido e depois fica positivo e mais exposto, até chegar na P5, comum com a via "Onde o Vento Faz a Curva". Daí seguimos em diagonal por uma enfiada em comum + 1 da "Onde o Vento..." até chegarmos no platô, por volta das 10h, onde passaríamos a noite. Deixamos toda a carga da dormida e do dia seguinte no platô, lanchamos, descansamos um pouco e fizemos 2 rapéis curtos pra voltar pra via.

Primeira parte da via

Júlio na quarta enfiada

Eu na quinta

Como Otto e Júlio já tinham escalado a "Viaje de Cristal", comum com a Place até a sexta enfiada, fiquei com as mais legais da primeira parte: a quinta e a sétima, sendo esta um diedro bem bonito e bom de proteger, que dá acesso à base do grande diedro onde começa o trecho mais difícil da Place.

Sétima Enfiada

Otto limpando a sétima
O sol estava muito forte, o dia bem quente, nenhuma nuvem no céu, regulamos um pouco a água e Júlio começou a oitava enfiada (primeira do diedro) próximo do meio dia. Uma chapa próxima à parada e a segunda chapa mais de 5m acima, esse é o crux da enfiada graduada em 8c, a fenda é fina, só cabem peças pequenas e não é simples de proteger, além do que na queda a possibilidade de bater em um platô/rampa que tem abaixo é grande! Júlio foi em livre, colocou todo tipo de micro-peças que conseguiu, um resvalo do pé nos matou de susto, mas ele não caiu, até que colocou um #.5 melhorzinho a 1m da chapa, o pé escorregou de novo e dessa vez a peça segurou! Mais uma peça e ele alcançou a chapa! Comemoramos e ele seguiu escalando em livre, se apoiando em algumas peças e descansando em algumas chapas que intercalam as fendas até a P8.

Júlionaoitava enfiada

Júlio na oitava enfiada

Eu lipando a oitava enfiada

Otto guiou a segunda enfiada do diedro, também em livre, com algumas puxadas nas peças no crux. Esta me pareceu bem melhor de proteger, apesar do grau ser mais alto pra quem vai na cadena (IXa).

Otto na nona enfiada

Otto na nona enfiada

Da P9, que já estava na sombra, jogamos a ponta da corda de 70 e ela caiu com sobra direto no nosso "hotel". Comecei a décima enfiada, graduada em 8b, toda fixa, assim como as próximas enfiadas até o cume. Diagonal direita com 3 chapas, depois uma chapa reto pra cima, fiquei um tempinho resistindo em 2 cristais ruins tentando enxergar a próxima proteção e nada! Foi só eu sentar na corda que enxerguei a dita cuja, já bem mais longe e em linha reta. Daí pra cima são boas agarras e chapas distantes, até chegar embaixo de um tetinho, onde a chapa tá pra esquerda e as agarras pra direita, tem que pagar um lance, costurar e voltar pras agarras, e no final de tudo, virar o tetinho, pra dar de cara com a parada! Já era quase 17h e ainda clipei as duas primeiras chapas da próxima enfiada, fixei a corda e descemos pro platô.

Eu na décima enfiada
O plano inicial era levar só comida fria, pra não ter que levar fogareiro, mas como a carga ia só até o platô, deu pra levar o kit que nos permitiu jantar arroz com batata e strogonoff liofilizado! A janta deu uma melhorada no ânimo e fomos dormir tranquilos antes das 20h.


Segundo Dia

Acordamos 4h30, tomamos café e começamos a subir pelas cordas fixas às 6h, com o sol nascendo! 7h20 comecei a 11ª enfiada, a última das 4 mais difíceis da via, graduada em IXa. Coloquei 20 costuras no rac, mas se muito, usei 15 nos quase 60m até a parada. As três primeiras chapas são retas, segui a mesma lógica e fui reto pelas agarras grandes e só depois vi a chapa na esquerda, paguei o lance estranho e costurei. Não lembro se foi depois dessa chapa ou na seguinte, uma diagonal pra esquerda, depois mais alguns lances mordendo cristais pequenos pra cima, arreguei no meio do lance e tive que voltar pra chapa, descansar, deixar todo peso extra e seguir só com 1 costura e a faca nos dentes pra passar o lance, deu certo! Depois de mais algumas chapas, sempre muito mais longe (e pra esquerda) do que eu gostaria que fosse, cheguei na P11, mais de 1h depois!! Acho que o Alemão é canhoto...

Eu na décima primeira enfiada

Jumareando
A P11 é em um platô, mas as paradas seguintes são bem desconfortáveis. Usamos dois banquinhos de madeira que depois deixamos no platô do bivaque pras próximas duplas usarem também. Otto tocou o VIIb, também bem esticado, Júlio guiou o VIIIa, muito bonito e aparentemente melhor protegido. Depois mais duas enfiadas longas e exigentes de VIIa (Júlio) e VIsup (Otto) pra finalmente podermos respirar aliviados, essa terceira parte não é de graça, leva tempo também, imagino a dureza que deve ser fazer a via em 1 dia! Otto tocou o VI curto e eu as duas últimas, de IV pra chegarmos ao cume as 15h30 do dia 27/06/2019!

Júlio na 13ª

Eu na última enfiada

Cume!!
Tínhamos duas opções, rapelar pela Viaje de Cristal e lá embaixo escalar de volta até o platô pra pegar as coisas, ou descer pela própria via, com rapéis mais chatos, porém já passaríamos pelo platô sem ter que escalar. Como vacilamos e deixamos a corda extra fixa lá embaixo, não tivemos escolha e fomos obrigados a descer pela Place. Começamos os rapéis às 16h e no terceiro lance o nó passou por dentro do cordelete e ficou travado entre as duas proteções da parada, tive que jumarear pra soltar. Depois descemos sem problemas, apesar do medo da corda prender no IXa, que é meio irregular, mas deu certo! Chegamos ao platô do bivaque às 18:20, pegamos tudo, e pisamos no chão às 20h!

Rapelando

Nesse segundo dia o sol tava mais light, o céu um pouco nublado no aliviou muito o sofrimento, que fez nossa água render mais,  não precisando regular tanto quanto no primeiro dia.

Dois dias cheios pra completar a via e voltar pro chão, sem dúvidas uma das escaladas mais duras que já fiz, tivemos que gastar todas as fichas da persistência! A parceria foi fundamental!!

Fizemos algumas imagens durante a escalada, confira no vídeo abaixo da DCC Productions!!


Aproveitamos pra rabiscar um croqui mais detalhado da via, com certeza vai ajudar um pouco nas próximas repetições, só não conseguimos contar com exatidão as proteções das enfiadas 12 à 15, mas colocamos um número aproximado.

Croqui
Ainda tínhamos 2 dias livres em São José do Divino, descansamos no dia seguinte e no último dia fomos pra mais uma empreitada na Pedra Riscada, confira no próximo relato.

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