sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Camp Farm, Apnea e EZ Does It - Cochamó 2020 #3

Após escalar no Vale do Trinidad e no Anfiteatro (ver relatos anteriores), descemos pro camping La Junta e no dia seguinte fomos escalar a Camp Farm, uma das mais repetidas de Cochamó devido ao seu acesso relativamente fácil, cerca de 40min de distância do camping, incluindo uma passagem por uma tirolesa pra cruzar o rio.

Primeira Enfiada da Camp Farm, super delicada!

Pela primeira vez tivemos que aguardar na fila pra escalar! Quando chegamos na base tinha uma dupla escalando e outra aguardando a vez. Começamos a escalar quase às 10h da manhã, e comecei guiando. A primeira enfiada é de corda cheia, com lances de microagarras em granito polido do começo ao fim, quase não sobra panturrilha pro resto da via! A sequência seguinte é de duas enfiadas fáceis que levam à base de um diedro exótico que, quando fica gostoso de escalar, a via segue pra esquerda por uma placa lisa. Apesar dessa fuga do diedro, a linha segue em busca de outros sistemas de fendas, sempre intercalados com lances de placa em granito polido. Passei a ponta pro Otto que seguiu da P4 até P7, onde acaba a via, passando pela chaminé que vira diedro na quita enfiada, depois por alguns lances delicados que levam à um grande platô, de onde se desce pela corda e segue em diagonal pra esquerda pra escalar a última enfiada, uma fenda larga quase invisível até que se chegue na base dela. Um itinerário meio inusitado em busca de sequencias de fendas, que rende uma boa opção de escalada em Cochamó!

Segunda ou terceira enfiada da Camp Farm, trecho fácil.

Como já tinha uma previsão de chuva pro fim do dia, resolvemos aproveitar o tempo e seguimos direto da Campo Farm pra o setor La Zebra, já sem nenhuma comida na mochila, pra fazer a clássica Apnea, aquela fenda de dedos perfeita que aparece nas fotos de lá!
A base da via fica teoricamente a quinze minutos do camping, talvez seja um pouco mais, e a subida é bem íngreme, mas não muito longa. Me parece que das vias clássicas essa é a que tem acesso mais curto.

Início da segunda enfiada

Chegamos na base e foi só alegria, vimos uma fenda perfeita que virava um diedro também perfeito. Tiramos no palitinho e Otto guiou a primeira. Fora um crux no início a via é toda 5.9, e a enfiada mais clássica  ficou por minha conta, a fenda que começa com camalot 2 e quase  50m depois termina com o #0. Pena que são apenas duas enfiadas, mas essa sem dúvida não pode ficar de fora da trip pra Cochamó!

Otto no final da segunda enfiada

Descemos e contemplamos a chuva no dia seguinte, descansando dos três últimos dias seguidos de escalada e pensando sobre a volta pra casa, sobre a previsão do tempo e sobre mais alguma possibilidade, além de tomar muito café e comer doce de leite até cansar! Bastou um dia de chuva para armarmos um bom plano de ação pro nosso último dia: escalar a EZ Does It saindo e voltando pro camping La Junta no mesmo dia!

Final da aproximação pra EZ

Acordamos às 4:30 no camping e às 9h40 estávamos começando a primeira enfiada, após algumas horas entre café, caminhada no bosque, canaleta de pedras soltas e escalaminhada até a base.  Subir a trilha pro Trinidad só com mochila de ataque foi uma das melhores opções! Deixamos todo o equipo desnecessário como uma das mochilas, nossos tênis, parte da comida, etc. na base da escalaminhada por onde passaríamos de um jeito ou de outro na volta. Escalamos leves, vencendo as línguas de água corrente que escorriam nas duas primeiras enfiadas. Nos molhamos menos do que imaginávamos, e seguimos pela bela sequencia de diedros que nos levou pela segunda vez ao cume do Cerro Trinidad! Passamos um pouco de frio nessa escalada, o que nos fez acelerar ao máximo! Rapelamos pela linha de rapel que tínhamos conhecido na escalada da Bienvenidos e chegamos às 19:30 de volta ao camping, após aquela velha caminhada pelas pedras soltas, depois pela trilha de descida em meio ao bosque que faz os joelhos gritarem.






Parceriaa no cumeee!


Fim de trip! No dia seguinte arrumamos as coisas, acertamos com o arrieiro a descida pro dia 31 cedo. E tome mais 3h de caminhada até a civilização, onde pegamos um micro ônibus que nos levou à Puerto Montt, de onde pagamos o voo de volta pra casa.

Ficamos muitíssimo felizes principalmente com a sorte que tivemos de estar num lugar tão especial e poder desfrutá-lo até nã, sem que a chuva nos atrapalhasse! Escalamos muitas das vias clássicas do local, mas existem muitíssimas opções mais. Voltando pro Brasil vimos várias notícias sobre a temporada pro lá, onde muitas novas vias foram abertas, inclusive em paredes virgens! Cochamó é um mundo de granito com infinitas possibilidades, ficou aquela vontade de voltar e provar mais algumas clássicas.

Agradeço à SBI Outdoor pelo apoio que vem se fortalecendo a cada ano, essas atitudes são muito valiosas pro crescimento da escalada no Brasil! Ao Otto pela parceria na outra ponta da corda, sempre com muita fome de pedra e tranquilidade pra resolver os problemas que surgem!

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Anfiteatro - Cohamó 2020 #2

Após escalarmos no vale do Trinidad, veja relato no último post, descemos pro camping La Junta onde recarregamos as mochilas com comida para mais alguns dias e ajustamos os equipamentos, dormimos uma noite e no dia seguinte subimos para o Anfiteatro, foram cerca de 3h de caminhada até esse setor impressionante com paredes por todos os lados! Os bivaques estavam cheios e nossa primeira noite foi no relento, felizmente não choveu e foi bem agradável!

Parte do Anfiteatro

Tínhamos uma lista grande de possibilidades para tentar e fomos elegendo as que mais se encaixavam nas nossas condições. Começamos pelo Filo de la Aleta de Tiburón (5.10+/600m), uma via que não estava na lista inicialmente, mas que quando descobrimos nos pareceu uma boa opção de aclimatação para as escaladas do Anfiteatro. A maioria das pessoas fazem até a P6 e descem, pois realmente é a parte mais interessante da via, mas resolvemos que seria um bom treino fazê-la inteira, o problema é que o rapel tem que ser por outra via. Acordamos no dia 23/01 às 6h da manhã e caminhamos sem pressa por 1h até a base da via, Otto guiou as duas primeiras, por um slab com chapas e uma ou outra proteção móvel. Guiei a terceira e a linda quarta enfiada, a aresta mista que rende umas fotos bem legais! Otto pegou o final da aresta e eu a sexta enfiada, por um diedrinho fácil mas bem bonito. Depois da P6 a via perde inclinação, e intercala alguns trechos de escalaminhada com outros de escalada, inclusive uma chaminé que termina em um lance de 5.10+ bem delicado. Depois da P10 seguimos por uma crista fina praticamente em travessia até o grande colo entre a Pared del Atardecer e Pared del Tiempo, dalí é preciso decidir para qual cume seguir, optamos pela esquerda e subimos mais uns 200 m de escalaminhada, ainda encordados e escalando em simultâneo até onde pudemos nos desencordar e finalmente caminhar pro cume. Foi uma escalada bem divertida, sem pressa, clima agradável, graduação mais amigável, desfrute total! Chegamos ao cume às 12h30 e procuramos o final da via Al Centro y Adentro, por onde rapelamos visualizando a nossa próxima empreitada. Às 15h chegamos no chão, com tempo para descansar e mudar nosso bivaque no relento para o quarto 5 estrelas, embaixo de um boulder e ao lado do rio!

Aleta






Após rapelarmos pela Al Centro y Adentro (5.11b/450m), inclusive tendo visto uma cordada subindo no mesmo dia nos deu a certeza que este seria o principal objetivo ali no Anfiteatro! A motivação era grande e usamos a logística a nosso favor, deixando uma garrafa d'água no platô da P6 e o material todo na base. Descansamos o dia seguinte inteiro e dia 25/01 fomos com todo o gás pra via!

Bivaque

Acordamos 4h30, tomamos café e às 6h40 estávamos começando a escalar, leves, com apenas uma mochila e pouca água! Otto tocou as três primeiras enfiadas: fendas largas, uma fendinha de dedos em diagonal e o clássico offwidth que sempre aparece nas fotos. Uma mais linda que a outra! Só fiquei devendo o lance da entrada pro offwidth da terceira. Guiei o bloco das 4 enfiadas seguintes, começando em um diedrinho perfeito seguido por um lance de placa até P4. A quinta enfiada começa em um diedro liso e aos poucos as agarras vão aparecendo, algumas chapas e micro-friends protegem lances técnicos muito divertidos! Uma garoa fina às vezes umedecia a pedra e nos deixava com a pulga atrás da orelha, mas logo tudo secava e seguíamos novamente. A sexta enfiada é fácil, resgatamos a água e segui pra sétima, também técnica mesclando lances com proteção fixa e móvel, e um crux no final que me tirou a cadena.

Terceira Enfiada

QUarta enfiada?

Final do primeiro tramo

Otto guiou o diedro perfeito da oitava enfiada, começa com peças grandes e vai diminuindo até onde entram apenas micro nuts "meia boca", depois volta a alargar pra #.5, enfiada longa  e muito bonita! Depois a enfiada do "Bico de Pato", começa em chapas bem delicada, passa por baixo da fina laca e termina em chaminé, uma das mais exóticas. O frio estava rachando nessas últimas enfiadas e a chuva nos alcançou de verdade na P9, Otto escalou a décima enfiada molhada, e eu fiquei com a 11ª, nas mesmas condições. Felizmente uma era mais fácil e a outra tinha fendas contínuas, que facilitou concluirmos aos trancos e barrancos. Pra nossa surpresa a última enfiada estava seca! E pre fechar com chave de ouro consegui fazer sem quedas os lances melindrosos que nos levaram ao cume novamente!

Duck Beack

Foram pouco mais de 8h de escalada e menos de 2h de rapel, muuuito frio e muita diversão! Essa foi sem dúvida uma das melhores vias que escalamos por lá. As enfiadas são todas interessantes, exigentes, mas com boa proteção, os crux são relativamente concentrados e podem ser feitos em artificial, mesmo ficando devendo alguns, ficamos muito felizes com nossa escalada! Nada como guiar sem mochila! Recomendo!


No dia seguinte, nosso quarto e último dia no Anfiteatro, ainda cansados da Al Centro y Adentro, decidimos escalar a Omnomatopeya (5.10 / 150m), quatro enfiadas que misturam diedros e lances de placa, guiei as duas últimas e essa também pudemos colocar toda na cadena. Um dia tranquilo para um "descanso ativo" com escalada curta + caminhada de volta pro camping.

Omnomatopeya

Voltamos ao camping e ainda tínhamos 3 dias livres, mas a previsão era de começar a chover já no primeiro dia à noite, e tempo bom novamente só no terceiro dia. No terceiro e último post eu conto o que conseguimos fazer nesse final de trip!

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Bienvenidos a mi Insomnio - Cochamó 2020 #1

Pra quem gosta de grandes paredes, um dos destinos mais óbvios da américa do sul é o vale de Cochamó, no Chile. Famoso por suas paredes de granito que chegam a mais de 1000m de extensão cheias de fendas! Otto e eu programamos uma trip de 15 dias pra esse paraíso da escalada, onde ficamos na segunda metade de janeiro deste ano 2020.

Cerro Trinidad visto do camping

Reservamos antecipadamente as vagas no camping La Junta, pois seriam solicitadas as reservas na guarita que tem na entrada da trilha, se não tiver reserva as vagas podem estar esgotadas e você não conseguir subir.

Começamos a peregrinação saindo de Salvador (eu) e Curitiba (Otto), levamos um dia de voos e escalas até chegar na cidade chilena de Puerto Montt, onde dormimos no Hostel FX (25 mil Pesos) após pegar uma van do aeroporto pra cidade (8mil p/ 2). Nossa escala em Santiago foi muito rápida, não deu pra trocar $$, e no aeroporto de Puerto Montt não tem casa de câmbio, como chegamos desprevenidos tivemos que gastar o cartão de crédito nesse primeiro momento. No dia seguinte trocamos o dinheiro no centro, fizemos compras para 15 dias e pegamos um ônibus da Transhar (5 mil) na rodoviária, que após 3h de pinga-pinga nos deixou na entrada da trilha, que fica 11km depois da cidadezinha de Cochamó.

Reservamos antecipadamente as vagas no camping La Junta, pois seriam solicitadas as reservas na guarita que tem na entrada da trilha, se não tiver reserva, as vagas podem estar esgotadas e você não consegue subir. Porém às 15h30 a entrada da trilha é fechada, como chegamos após esse horário, dormimos em um camping exatamente onde o ônibus parou.

Da entrada da trilha até o camping La Junta (e outros 3 ou 4 campings próximos), que fica no vale, são cerca de 11km por uma trilha na floresta. Agendamos para 9h da manhã um cavalo, que sobre com até 60Kg, pelo preço de 35.000 pesos. Tínhamos quase 80kg dentre equipamento de escalada, camping e comida, o que ainda nos garantiu uma mochila de quase 10kg nas costas. Porém nosso arrieiro só subiu às 13h, levamos pouco mais de 3h pra finalmente chegar ao camping La Junta.

Trilha

Cochamó tem um clima mais ameno falando de Patagônia, mas o grande "problema" dos escaladores por lá são as chuvas, por vezes incessantes durante dias e mais dias. Pra nossa sorte, chegamos após três dias de sol, pegamos as trilhas relativamente secas (não quero nem imaginar elas molhadas) e o clima bom durou praticamente toda nossa estadia!!

O camping nos surpreendeu pela organização, mesmo sendo tão remoto, abastecido apenas pelo sistema de cavalos é muito bem cuidado, possui comedores (barracões com mesas e pia pra cozinhar), muito espaço para barracas, mesas, banheiros secos com vista pras montanhas e chuveiro com aquecimento solar (mas não tenha muita esperança quanto à isso). no site cochamo.com você pode reservar por 8 dólares/noite.

Montamos as barracas, separamos comida pra 4 dias, equipamento e kit bivaque (isolante, saco de dormir, saco de bivak e um toldo) e dormimos pra no dia seguinte começar cedo a subida pro vale do Trinidad, o primeiro "setor" que iríamos conhecer.

Três horas subindo pela trilha com a cargueira nas costas nos levaram do camping até a base do Cerro Trinidad. Assim que a trilha encosta na parede, alguns metros à esquerda tem uma área plana e aberta com várias vagas para bivaque, ótimo se o tempo estiver bom. Deixamos o material de dormir e o rango lá, e seguimos por mais 2h vale adentro, passando pelo acampamento do Chiquinho (um grande bloco abrigado da chuva) e subindo uma piramba até a base da via No Hay Hoyes, no Gorila. Graduada em 5.11a com 6 enfiadas e 250m de extensão foi uma boa pedida para sentirmos a escalada no local sem o comprometimento de uma via muito longa. 


Começamos a escalar já bem tarde, quase às 13h, após 5h de caminhada. Otto começou pela bonita primeira enfiada, depois eu peguei um diedro com início em offwidth que me fez sofrer, Otto guiou a 3ª passando um lance duro por uma laca e chegamos ao platô que divide a via ao meio. Otto tocou a 4ª passando por uma sequência diedro/aresta/laca/diedro bem bonita e sobraram as duas últimas de presente pra mim, fendas frontais de mãos, lance vertical passando por umas lacas duvidosas e o grand finale, uma fendinha protegida por micro friends com um lance de equilíbrio nos últimos 5m da via! Demorei mas saiu! 

Segunda Enfiada
Últimas Enfiadas


Penúltima enfiada?

Chegamos ao cume pouco antes das 18h, passamos alguns minutos curtindo o visual e logo começamos a descida, às 20h30 estávamos de volta ao bivaque na base do Trinidad. 

Cume!

Tiramos um dia de descanso e aproveitamos pra estudar nosso próximo objetivo, a via Bienvenidos a Mi Insomnio, 5.10d, 920m divididos em 20 enfiadas mais alguns metros de escalaminhada no início. Subimos essa parte inicial, localizamos a primeira enfiada e deixamos nosso equipamento lá em cima, tudo pra agilizar o acesso no dia seguinte, que faríamos ainda à luz das headlamps. Separamos 3 litros de água por pessoa, visto que o céu estava azul e a temperatura ultrapassava os 30ºC de dia, com vento zero. Dormimos ao relento, olhando pra via que nos esperava no dia seguinte.

Dormindo, tentando

Acordamos, tomamos café e às 4h40 estávamos começando a escalar.Comecei guiando as três primeiras (guiamos em blocos, para otimizar o tempo evitando perder tempo na troca de equipamentos), na terceira enfiada, ainda de noite, já senti que a mochila iria me encher o saco, mas lá fomo nós...Otto guiou a longa quarta enfiada, um diedro extenuante com fenda de borda arredondada, como ele chegou quase sem peças na parada, eu segui na frente pela quinta e sexta enfiada, essa também um diedro com fenda offset, mas que terminava com chapa em lances de placa lisa. Uma enfiada fácil e chegamos no início da travessia, fui de participante e consegui escalar bem até perto do final, depois foi no furto mesmo. A nona enfiada é mais uma sequência de placa lisa, guiei ela e a décima, um grande diedro que me custou mais de 1h e praticamente meus 2 jogos de camalots completos! Otto pegou a próxima enfiada, continuação do mesmo diedro, mas com lances de diedro com fenda larga, pés chapados no liso, difícil de enxergar a proteção que se está colocando. Sentimos falta de mais peças largas pra esse lance, mesmo tendo levado 2x #3 e 1 #4. Paramos na parada dupla no meio dessa enfiada, e depois juntamos o final dela com a próxima enfiada fácil, o que foi uma boa opção.

Nas enfiadas de borda arredondada

Pouco antes da travessia

Travessia


Chegamos ao platô da P13, até lá escalamos na sombra, pois começamos de noite e quando o sol virou, já estávamos protegidos dentro do diedro por onde passam as enfiadas 10 à 12. Ter feito essa primeira metade da via na sombra foi essencial pro sucesso, pois escalar as próximas 4 enfiadas no sol e com zero vento foi bem punk! Toquei até a P15 e Otto chegou na P16.

Trecho fácil e quente

A décima sétima enfiada é um of width que demos graças por escalar na sombra dentro dele, Otto tocou a 18 e a dura e técnica 19ª enfiada, uma fenda fina e contínua de 50m, onde vão todas as peças micro que vc tiver no rac. Felizmente apesar do sol, já tinha um pouco de vento, então a escalada se tornou mais agradável. Fiquei com o presente da última enfiada, começando em uma fenda frontal de mão fina, terminando por um diedro, acessando o platô onde a parede perde a inclinação.

Último crux

Foi uma sensação de alívio gigante trocar a moccasym pelo 5.10 guide e caminhar mais alguns minutos pro cume, onde chegamos às 18h40. Ficamos ali alguns minutos curtindo o visual. Dava pra ver o Cerro tronador e as agulhas do Frey, já depois da fronteira. Pouco abaixo do cume já tem alguns tótens que indicam o caminho para os 2 ou 3 rapéis que desembocam na canaleta de pedras soltas por onde desce de volta pra base. Pra nossa alegria tinha uma água escorrendo pouco abaixo do cume, no caminho pro rapel, matamos a sede e seguimos o caminho de volta pra base.

Retrato de cume

Chegamos juntos com a última luz do dia no nosso acampamento, jantamos e dormimos até o outro dia quando o sol bateu na nossa cara, quase 11h da manhã.

A Bienvenidos foi uma via bem marcante, sentimos dificuldade no grau, especialmente nos lances de placa, por mais paradoxal que pareça. Escalamos com material para um dia, mas mesmo assim nos sentimos pesados, muita água (não sobrou) e muitas peças no rac (também usamos tudo) tornaram a escalada meio sofrida. Mas quem quer entrar em uma via de 920m sem sofrer que fique em casa né! kkkkk

Assim terminou nossa primeira investida em Cochamó, descemos pro camping, onde refizemos as mochilas, pegamos mais comida, dormimos e planejamos a próxima investida, dessa vez no vale conhecido como Anfiteatro. Mas essa eu conto no próximo post!

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Espírito Livre - Morro do Enxadão, Itatim/BA

Depois de muito tempo combinando, finalmente o Zé Roberto conseguiu uma folga pra vir pra Itatim novamente! Na compania do Matheus Martins, também de Brasília, passaram 4 dias de dos quais pude acompanhá-los em 3 dias na abertura de mais uma via no Morro do Enxadão!

Traçado da via Espírito Livre

Como eles chegaram na sexta, enquanto eu trabalhava eles escalaram a Jardineiro, clássica da parede, deixando de lado a minha recomendação de repouso pré-conquista....kkkk

Saí de Feira de Santana na sexta à noite com o Marcel, que também nos acompanhou na empreitada pra dormir já em Itatim e poder começar cedo no sábado.

Escolhemos uma linha bem no meio da parede, aparentemente onde está a verticalidade mais constante de todo o Morro do Enxadão. Inclusive, o maior motivo de não ter vias nessa área, é a verticalidade do início da parede, sem mostrar muitas boas agarras.

Eu vinha analisando a linha há algum tempo e mostrei o início pelos blocos à esquerda das esportivas no setor da Piratas do Caribe, e como quem dá a ideia faz, peguei a ponta e comecei a empreitada.
Dominei o bloco, coloquei uma peça e em seguida uma chapa, passei e artificial um tetinho que viria a ser o crux de toda a via e segui alternando furos de clif e chapas por uma linha que eu imaginava ser possíel escalar em livre, mas sabendo que seria duro! Não lembro quanto, mas demorei bastante pra conquistar uns vinte metros. Bati a parada e passei a bola pro Matheus.

Conquistando a primeira enfida 

Matheus limpando a primeira enfiada, entrando no crux de toda a via

Matheus subiu co Zé e abriu a aérea segunda enfiada, por um negativo de agarras alucinante, que depois fica positivo e fácil (e esticado) até chegar na parada, o dia já estava acabando e subi com o Marcel pra conquistar a terceira enfiada.

Matheus conquistando a segunda enfiada 

Nós jumareando as cordas fixas no dia seguinte

Sabíamos que teríamos que acelerar pra terminar a via em apenas mais dois dias, então seguimos na estratégia de revezar as duplas. A sombra bate na parede só após o meio dia, o que faz com que nossos amigos do DF acordem sem a menor pressa, mesmo com o prazo curto, a tranquilidade reina! 
E lá foram eles, sei lá que hora subirem pelas cordas fixas e abrirem mais duas enfiadas bem bonitas, sendo uma com apenas 2 chapas e alguas possibilidades de móvel, e outra toda fixa. P5 estabelecida, troca de turno.

 Matheus e Zé Roberto

Zé conquistando a quarta enfiada

Eu que estava dando uma faxina na primeira enfiada subi com Marcel e tocamos mais uma enfiada, ele na ponta chegou na P6. Pego a furadeira e saio sedento pra aproveitar ao máximo o resto do dia, coloco uma peça e venço o primeiro lance, chegando ao grande buraco no terço final da parede, mais duas peças na fenda que tem dentro do buraco e estudo por onde sair, preparo pra bater ua chapa no próximo lance e a broca quebra! Pego a broca reserva e ela não encaixa de jeito nenhum na furadeira! Não levamos batedor e assim terminu nosso segundo dia de conquista: equalizei umas peças na fenda do buraco, fixei a corda e desci.

Marcel conquistando a sexta enfiada

Marcel voltou pra Feira no domingo e eu só tinha a segunda-feira livre, o Zé acordou mal com dor de dente e eu segui com o Matheus pro tudo ou nada. Jumareamos as cordas fixas e eu finalizei a sétima enfiada, intercalando chapas e peças. Matheus tocou a oitava, que ficou uma das mais duras da parte de cima da via, seguindo por uma fenda aberta em diagonal e terminando por uma sequencia de abaolados estranha, ainda bem vertical! Essa levou um bom tempo devido à dificuldade e dúvida de por onde seguir.

Sétima enfiada

Matheus na oitava enfiada

A parede não dava trégua e a luz estava acabando, toquei as duas últimas enfiadas que não aliviam totalmente, mas já alternam alguns trechos positivos com barrigas verticais. Cheguei ao cume, bati a décima parada e de lá mesmo já desci. Limpamos todas as cordas fixas e chegamos ao chão depois das 19h. Concluímos a via mas ficou aquele gostinho de querer prová-la, e faltou o cume com a galera toda, mas estamos aguardando a nova oportunidade!

P10

Ficou uma via desafiadora, vertical em pelo menos 90% de sua extensão, alguns lances de sétimo e uma primeira enfiada que não encadenamos, mas estimamos um VIIIa. A proteção é regular, todos os crux são protegidos, mas não é uma via totalmente esportiva, exigindo bom domínio de equipo móvel e a resistência em dia.

O nome é uma homenagem ao Gigante, nosso amigo que se foi há alguns anos.


Clique na imagem para ampliá-la

Era início de março e ainda não tinhamos noção do período obscuro que viveríamos nos meses seguintes por conta do COVID-19, sendo essa nossa última escalada antes da quarentena. Lá está a via, espero que em breve possa receber novos escaladores, além de nós, é claro, que estamos loucos pra repetir sem peso nas costas!

[ATUALIZAÇÃO 24/08/2020] No último final de semana fizemos a primeira repetição da via, eu e Marcel Gama, subimos revezando as guiadas e consegui fazer toda a escalada sem quedas! Alterei a imagem do croqui com algumas pequenas alterações na sugestão de graduação e proteção. 

domingo, 16 de agosto de 2020

Escaladas no Sul da Itália - Frascineto, Palinuro e Gaeta

Após dois dias de descanso (ver relato anterior) seguimos viagem de Reggio Calábria com destino a Roma, de onde partiria nosso vôo 5 dias depois, nos dando 4 dias livres de escalada. Traçamos a rota passando por três picos que nos interessaram nas buscas na internet: Gaeta, Palinuro e Frascineto.
Depois de algumas horas de estrada paramos no primeiro destino de escalada longe da costa: Frascineto!
Uma pequena cidade, mais moderna do que as que estivemos até agora, encostada em uma bonita montanha de calcário, com vários setores, dos quais podemos ir em 3 ou 4 deles ao longo do dia.



Escalamos algumas vias na direita do primeiro setor, estas ainda não estavam no guia, mas como nome e graduação pintados na base ficou fácil de se localizar. Depois fizemos algumas mais fáceis e seguimos procurando entender qual setor era qual, até que sem querer paramos na base da Never Mind The Bollocks, 7a+. Totalmente longe de onde achávamos que estávamos, não tive o que fazer se não provar a via! Muito boa, escalada técnica, exigente na leitura e na resistência, saiu à vista e fez valer demais a parada em Francineto! 

Never Mind The Bollocks 7a+
 

Seguimos mais um pouco pela estrada e  dormimos perto de Palinuro, um dos picos que mais me chamaram a atenção nas pesquisas. Uma falésia na beira do mar, literalmente! 

Entramos por uma fazenda de oliveiras, caminhamos por alguns minutos até a praia meio abandonada, mais alguns metros pela areia e chegamos nos setores. Como a falésia é na beira do mar, a maré diz se você vai escalar ou não. Quando chegamos a maré estava alta, com algumas bases já molhadas, demos uma volta até o final do setor pra fazer um reconhecimento geral, ficamos babando com as paredes e cavernas!


A maré foi baixando ao longo da tarde e mais algumas bases foram ficando limpas, nesse dia escalei três vias de 6b+ até 7a+, todas com cerca de 30m porém com agarras bem variadas! Uma via de agarrões e chorreiras, outra de regletes e a última de batentes, uma mais bombante que a outra!!




No dia seguinte chegamos na praia e a maré estava subindo, de modo que sobrou apenas um setor mais recuado possível de escalar, e a via, uma das únicas escaláveis, tinha me deixado encucado no dia anterior. Muito negativa, com chorreiras e algumas linhas finas d'água se viam brilhando de longe. Mas agora não tinha escolha, escalava ela ou ficava olhando pro mar. Entrei e fui desvendando os bonitos movimentos, cheios de drops e pinças, me movia rapidamente pois não adiantava parar pra descansar, tamanha negatividade e continuidade da via. Nenhuma agarra da via estava molhada, as linhas de água escorrida não atrapalharam em nada! A cadena não saiu de primeira, caí no final da sequencia crux, bombado! Descansei uma meia hora e entrei novamente, escalei "correndo" e funcionou, cadena! Eso Es Palinuro (7b Fr) !



O plano era passar o dia seguinte conhecendo os outros setores de lá, mas a maré alta nos desanimou, o que acabou nos fazendo conhecer mais um pico fantástico já mais perto de Roma, pouco depois de Nápoles. Seguimos na estrada até Gaeta, dormimos já não lembro mais onde e no dia seguinte fomos até a Spiaggia dell'Arenauta, onde tem 2 setores, a falésia e a grota. Começamos com uma caminhada pra ver o setor da falésia, muito bonito por sinal, porém com proteções meio assustadoras, muito oxidadas, com cara de abandono ainda. Achamos estranho e seguimos pra ver a grota, chegando lá tivemos um choque, praticamente um ginásio de escalada ao ar livre.
Uma caverna impressionante, cheia de vias, proteções novas e de boa qualidade, topos de argola, etc. Cerca de 50 vias de 6a até 9a (Fr). Tudo isso em uma caverna de calcário, cheio de agarras incríveis!



Fiquei um pouco arrependido de não ter ido antes pra lá, o setor deve ser bem movimentado, as vias mais fáceis são bem polidas, mas no dia que fomos, só tinha mais uma dupla de escaladores por lá. Era meu quarto dia de escalada seguido e o rendimento tava bem a desejar...kkkk fiz um volume de sextos e deixei uma dívida chamada Is Danzas, um 7b+ lindo demais, que dei uns 3 pegas mas não consegui a cadena.



Seguimos pra Roma com um gostinho de quero mais, mas sem abrir mão de uma margem de segurança pra não perder o vôo, finalizando uma trip com muito, mas muito mais escalada do que eu imaginava!
Sem dúvida um oportunidade única de conhecer um país que me surpreendeu! Mesmo não tendo ido aos famosos picos de escalada italianos, como Arco, Dolomitas, etc. valeu demais a pena! 

                  Eu e minhas companheiras de viagem: Taitê, Dani e Fernanda. Etna ao fundo.

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