segunda-feira, 15 de junho de 2020

Escaladas no Sul da Itália - Sentiero Degli Dei /Path of Gods

Durante a nossa estadia em Caulônia/RC, tínhamos livres os sábados somente a partir das 14h e os domingos completos, então em um desses pequenos intervalos resolvemos fazer um bate-volta bem esticado pro pico mais próximo da região que não fosse Stilo (veja post anterior sobre Stilo).

   

Saímos de Caulônia às 14h em ponto e rodamos quase 500 Km até Agerola, já na região de Nápolis, dormimos nas redondezas em um quarto alugado e no dia seguinte fomos ao Sentiero Degli Dei, conhecido também como Path of Gods. Esse é o nome dado à uma trilha bem turística que liga Agerola à Positano, um caminho bem batido e demarcado que passa por ruínas e paisagens deslumbrantes numa encosta bem elevada colada com o mar. 


Era mês de novembro, fora da temporada de turismo no local, o que foi uma ótima pedida pra nós. Pelos meus cálculos deve ferver de turistas no verão! Mas estava super tranquilo, pouca gente na trilha, hospedagem com preço acessível, comida razoável.

Caminhamos por 30 min babando com a paisagem até que chegamos na falésia de mesmo nome. São três setores um ao lado do outro, sendo o último na beira da trilha e com várias vias incríveis, o dia estava bem frio e ali estava sol, motivo que além das chorreiras,nos fez começar por lá. Assim como em Stilo, as vias também são bem recentes, apesar da trilha ser bem conhecida. Não tinha muita informação na internet sobre escalada por lá, encontramos os croquis no app Climb Advisor, o mesmo que usamos em Stilo, nele tem todas as indicações da entrada da trilha, onde estacionar o carro, setores, vias e graus.



Me animava ter um dia completo pra poder escalar, quanto mais em um dos lugares mais bonitos que já estive na vida! Comecei pela Black Athena, um fantástico 6c de tufas para aquecer. Dani e minha irmã também brincaram nessa, enquanto a Fernanda seguiu pela trilha pra nos encontrar no final do dia em Positani.


Entrei depois na Eros Hard, 7a que me derrubou bombado com a cara na parada, mas no segundo pega achei um pesinho pra pisar dropado, e assim que clipei a parada ele quebrou! Ufa!


Fiquei olhando e analisando um tempão uma linha bonita e longa, negativa, mas nem tanto, e com algumas poucas chorreiras até que tomei coragem de entrar. Comecei a escalar a Dionísio (7b FR) com a pretensão de conhecer a via, colocar as costuras e quem sabe dar mais um pega, mas como a primeira entrada é sempre a mais inteligente e concentrada pra mim, tentei aproveitá-la ao máximo. Fui desvendando os lances e bombando cada vez mais, mas a cada passo a gana de seguir aumentava, escalei praticamente no limite da minha resistência, nem vi a última proteção antes do vertical onde fiquei um tempão descansando em um regletinho mínimo, equilibrado nos pés, recuperando 1% de força pra não vacilar e tomar um vôo de pelo menos 10m que, felizmente não ocorreu! Encadenar uma via à vista é incrível, mas a sensação de ter dado 100% é melhor ainda!



Escalamos mais uma via fácil no setor Semidei, mas já não tinha mais braço nem fôlego pra escalar mais, e o frio pegou de vez, pois o setor estava na sombra e começou a ventar forte, então começamos a caminhar de volta pro carro antes de escurecer. 

Buscamos Fernanda em Positani e seguimos pra Nápoli, onde dormimos e turistamos no dia seguinte (sim, turistamos, não tive escolha...kkk). Fim de tarde começamos a volta pra casa, a estrada de Napoli até RC é ótima, duplicada, bem sinalizada e sem nenhum buraco, éramos 3 motoristas pra dividir o volante nos 500 Km da volta.

Tudo ia bem até que senti o nosso Twingo alugado perder aceleração, fingi que nada estava acontecendo e continuei reduzindo marcha e aproveitando o embalo, de repente ele voltou ao normal. Era domingo à noite e tínhamos que estar em casa às 9h do dia seguinte pra aguardar a possível visita do fiscal de residencia (ver post anterior). Mais pra frente o carro engasga mais uma vez, ponderamos sobre o que fazer e resolvemos continuar sem parar até onde desse, e o carro volta mais uma vez ao normal. Depois da terceira engasgada e perda de potencia eu já tava conformado em passar a noite no carro e perder o dia seguinte pra resolver o problema.

Não teve revezamento, dirigi até o final e, felizmente o tanque estava cheio. Chegamos em Caulônia, estacionamos o carro em casa, desligamos pela primeira vez após a pane e ele nunca mais ligou, nem em seguida, nem no dia seguinte!!

Pois exatamente na segunda-feira de manhã, a mesma segunda-feira que poderíamos estar na beira da estrada no meio do nada, o fiscal passou e confirmou nossa residencia, nos dando liberdade pra escalar até o dia da passagem de volta!

Contactamos a locadora que nos mandou um guincho e depois substituiu o Twingo por um Jeep sem cobrar mais por isso, o que nos permitiu muito mais conforto pra trip final, que conto no próximo post.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Escaladas no Sul da Itália - Stilo, RC

Em novembro de 2019 fiz minha primeira viagem pra fora da América do Sul! O destino escolhido, não por acaso, foi a Itáia, com o intuito principal de finalizar o um processo de cidadania, para o qual eu teria que passar um mês em uma cidade na regão da Calábria, sul da Itália, extremo oposto de onde estão concentradas as mais famosas escaladas do país.

 Visual do setor de escalada em Stilo, RC

Perspectivas desanimadoras

Os meses que antecederam a viagem foram de pesquisas que não me deixaram muito animado, não encontrei nenhum ginásio ou mesmo muro de escalada em Reggio, e nenhum pico razoável num raio de 100km. O único local animador era uma falésia nova e aparentemente bem interessante na cidade de Stilo, há 2h de lá. Não seria problema se fosse uma viagem exclusivamente de escalada, mas as condições eram mais delicadas.

Eu precisava comprovar residencia na Itália, sendo assim, teria que ficar em casa aguardando a visita do ´fiscal´ por todo o horário de trabalho deles, ou seja, uma espécie de quarentena com liberdade condicional. Então as chances de eu conseguir ir pra falésia seriam apenas nos finais de semana provavelmente. A comprovação pode ser efetivada ente 2 e 45 dias após fixar residencia, e ficaríamos na casa com outras pessoas do processo, que muito provavelmente não iriam gostar da ideia de ir todo fim de semana livre pra mesma cidade subir pedra (acredite!).

Segunda melhor coisa da Itália

Diante das perspectivas levei na mochila apenas um equipamento básico pra escalada esportiva pra mim e pra minha irmã, que também fez o processo e tinha escalado algumas poucas vezes na vida e seria minha salvação pros finais de semana que conseguíssemos ir pra pedra.

A viagem

Desembarquei, em Roma e esperei minha irmã chegar no dia seguinte, então fomos direto pro ginásio chamado Monkey Island, um pouco mais afastado do centro, mas com o horário que era compatível com o tempo que tínhamos disponível antes do ônibus pro nosso próximo destino. O muro é impressionante, não era muuuito grande, mas parecia aquelas paredes de competição com vários boulders irados montados, de qualidade excepcional!

Ginásio em Roma

Escalei até não aguentar mais e de lá fomos direto pra rodoviária, onde pegamos o ônibus pra viajar a noite toda, chegando no dia seguinte na cidade de Reggio Calábria (última cidade ao sul sem contar a Sicília) onde passamos alguns dias pra resolver burocracias e aguardando nossa designação pra um comune da região, onde fixaríamos residencia pelo próximo mês.

A sorte estava conosco!

Ainda em Reggio conhecemos a Fernanda e a Dani, nossas colegas de quarentena, e enquanto tomávamos um café aguardando no cartório a comento que gosto de escalar e ela fala que trouxe suas sapatilhas! Ela mora nos Estados Unidos e havia começado a escalar alguns meses antes.

Dentre todas as pequenas cidades da região sul que poderíamos ser designados, caímos na pacata Caulônia, distante apenas 34 km de onde? Stilo! O único pico que eu achei nas minhas pesquisas!

O horário que teríamos que cumprir residencia, segundo os horários da Caulônia, seria apenas das 9h às 14h, o que nos dava umas 4h de luz após o confinamento. Todos queriam aproveitar o final de semana (também estávamos em casa aos sábados até às 14h) então decidimos alugar um carro dividido entre os 4 moradores, o valor de um aluguel é uma das coisas relativamente baratas por lá. Alugamos no aeroporto de Reggio e seguimos pra Caulônia.

Stilo

Como eu não tirei férias pra essa viagem, me propus a trabalhar online enquanto estivesse fora, já que ficaria de castigo durante a semana, isso não seria um problema, até ajudaria a passar o tempo. Porém, com o fuso, meu horário de trabalho no Brasil (8-18h) ficou das 12h às 22h na Itália.

A galera queria deixar o final de semana pra conhecer a Sicília, então tratamos de conhecer Stilo durante a semana mesmo. A primeira investida serviu apenas pra visualizar o quão bonita é a região, aprender o caminho e escalar uma via no setor Gaia antes de anoitecer. Deu pra sentir como seriam nossas escaladas durante a semana (que alegria saber que isso seria possível!): deixar tudo pronto e pontualmente às 14h pegar a estrada, rodar os 34 km até a cidade de Stilo, mais alguns minutos nas sinuosas ruas até o estacionamento, caminhar alguns minutinhos pra 15h estarmos na base da pedra! O inverno estava chegando e a noite começava a cair após às 17h, então tínhamos em média 2 h pra nos divertir.

Cittá Del Sole

Dani ficou pilhada e fomos diversas vezes pra Stilo ao longo da nossa estadia, inclusive algumas vezes acordávamos às 4h30 pra dar uma escaladinha e 9 h estar de volta em casa, estratégia meio arriscada, mas deu certo. Fernanda não curtiu muito o perrengue e minha irmã não tinha escolha e sempre nos acompanhava, mas apesar dos gritos de pavor ela gostou de escalar.

Stilo é o nome da cidade, os setores ficam no Monte Consolino, e existem placas indicando o setor desde a entrada da cidade. A rocha é calcária e existem cinco ou seis setores diferentes, cada um com características distintas que vão desde vias escola, positivas de boas agaras até oitavos graus negativos de chorreras com mais de 30 metros! As caminhadas em meio ao bosque duram de cinco a quinze minutos e as vias são em sua maioria protegidas com grampos químicos e paradas com corrente e uma malha-rápida central. Algumas vias, especialmente do setor Grotta, abertas com inox 304 foram regrampeadas após nossa visita pelo pessoal do Ragni di Lecco. O setor é belíssimo e com vista pro mar, sem dúvida vale uma visita!

Grotta

Escalamos muitas e muitas vezes lá, umas 3x por semana com certeza! Conseguimos ir apenas um dia no fim de semana, e foi bem proveitoso poder escalar com mais calma, conhecer os escaladores locais, tentar falar italiano se sucesso, etc. Apesar de não ser um pico super famoso como as falésias de Arco, ou as paredes das Dolomitas, que espero um dia poder conhecer, desenvolvi um carinho muito grande por Stilo!

Os setores que mais gostei em foram Cittá del Sole, com rotas fáceis e médias verticais e longas, e a Grotta, o setor negativo de chorreras, com rotas medianas e difíceis, mas que após dias mais chuvosos permanece escorrendo por um tempinho.

Stilo

As vias são novas, não são polidas, o setor fica vazio durante a semana e nos finais de semana escaladores da região visitam  local, mas sem fila, sem crowd.

Todas as vias estão catalogadas no app Climb Advisor, bem como os acessos e algumas indicações de onde comer, onde dormir, etc. Tem uma página no facebook com o mesmo nome, onde consegui boas informações e até uma indicação de uma parceria local.

Já fui muito bem recebido pelos moradores locais, especialmente no nordeste do Brasil, mas fiquei surpreso com a hospitalidade do povo de lá! Você já foi puxado pelo dono do bar pra dentro, comeu e bebeu, tentou pagar e não aceitaram? Eu já, em Caulonia, RC, Itália.

Continua...

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